sábado, 27 de outubro de 2007

A Fada Carabina - Daniel Pennac- Ed Gallimard - 1987


A Fada Carabina - Daniel Pennac


Estava ali, então, a se perguntar se a velha ia se esborrachar-se ou não sobre aquela banquisa africana, quando avistou outros dois personagens na calçada em frente, que aliás não deixava de ter relação com a África: Dois árabes. Africanos do norte, ou magrebes, sei lá. O lourinho sempre se perguntava como chama-los para não parecer racista.

Um comentário:

GrogVille- O Mundo Grog de Ogro Lunar disse...

Não, não como lhe tinham ensinado em gramática no passado, não se tratava de uma relação de causa, e sim de consequência.

Era Frontalmente Nacional, o lourinho, de modo que fora levado a refletir com objetividade sobre os perigos da imigração selvagem; concluíra, sensatamente, que era preciso botar aqueles africanos safados para fora o quanto antes, primeiro por causa da pureza da massa francesa, em seguida por causa do desemprego, e finalmente por caua da seguança. (Quando se tem tantas boas razões para ter uma opnião justa, não se deve deixar que ela seja manchada por acusações de racismo.)

Em suma, a velha, a camada de gelo com o formato da África, os dois árabes na calçada da frente, o Gurí com seu cachorro epiléptico e o lourinho matutando...ele se chamava Vanini, era inspetor da policia...

Avança a passos largos e firmes em direção à velha...
a velha senhora o fazem lembrar-se da avó dele.

Vanini ficara muito aborrecido com a avó, por não lhe ter dado tempo de ama-la ainda viva.

Mas, de qualquer modo, "amar um morto é melhor do que não amar absolutamente".

É, esse gesto familiar do dedo indicador era bem a avó de Vanini.

Neste momento o lourinho parecia estar se derretendo de amor. Quase teria esquecido os árabes.

Já preparava a sua frase: "Permita-me ajudá-la, vovó", que pronunciara com doçura própria de neto, quase um murmúrio, para que a brusca irrupção do som no amplificador (aparelho)auditivo não provocasse em sobressalto na velha senhora. Agora estava apenas um passo largo dela, todo amor, e foi então que ela se virou. De uma só vez. O braço estendido na direção dele. Como que apontando para ele com o dedo. Só que, no lugar do indicador, a velha brandia uma P.38 autêntica, a dos alemães, uma arma que atravessou o século sem se tornar nem um pouco obsoleta, uma antiguidade sempre moderna, um instrumento tradicionalmente assassino, de orifício hipnótico.

E apertou o gatilho.

Todas as idéias do lourinho se espalharam, formando uma bela flor no céu do inverno.Antes que a primeira pétala caísse, a velha já guardara a arma dentro da cesta e retomava seu caminho. Aliás, o coice da arma a fizera avançar um bom metro sobre a camada de gelo.