terça-feira, 24 de agosto de 2010

ABEL E CAIM & AS LITANIAS DE SATÃ- Charles Baudelaire

ABEL E CAIM

Charles Baudelaire

I

Raça de Abel, só bebe e come,
Deus te sorri tão complacente.

Raça de Caim, sempre some
No lodo miseravelmente.

Raça de Abel, teu sacrifício
Doce é ao nariz do Serafim!

Raça de Caim, teu suplício
Será que jamais terá fim?

Raça de Abel, tuas sementes
E teu gado produzirão;

Raça de Caim, sempre sentes
Uivar-te a fome como um cão.

Raça de Abel, não tremas nunca
À lareira patriarcal;

Raça de Caim, na espelunca,
Treme de frio, atroz chacal!

Raça de Abel, pulula! Ama!
Teu oiro é sempre gerador.

Raça de Caim, alma em flama,
Cuidado com o teu amor.

Raça de Abel multiplicada
Como a legião dos percevejos!

Raça de Caim, pela estrada
Arrasta a família aos arquejos.

II

Raça de Abel apodrecida
Há de adubar o solo ardente!

Raça de Caim, tua lida
Nunca te será suficiente;

Raça de Abel, eis teu labéu:
Do ferro o chuço é vencedor!

Raça de Caim, sobe ao céu
E arremessa à terra o Senhor!

Tradução: Jorge Pontual




AS LITANIAS DE SATÃ
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Ó tu, o anjo mais belo e sábio entre teus pares,
Deus que a sorte traiu e expulsou dos altares,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Ó Principe do exílio, a quem fizemos mal
E que, vencido, sempre te ergues mais triunfal,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que vês tudo, ó rei das trevas soberanas,
Charlatão familiar das angústias humanas,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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* Tu que, mesmo ao leproso e ao pária, se preciso,
Ensinas por amor o amor do Paraíso,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que da Morte, tua antiga e fiel amante,
Engendraste a Esperança - a louca fascinante!
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que bem sabes em que terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras mais preciosas,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu cujo olhar desvela os fundos arsenais
Onde sepulto dorme o povo dos metais,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu cuja larga mão oculta os precipícios
Ao sonâmbulo a errar no alto dos edifícios,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que, magicamente, amacias os ossos
Do ébrio tardio que um tropel fez em destroços,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que, para o consolo eterno de quem sofre,
Nos ensinaste a unir o salitre ao enxofre,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Tu que infundes no olhar e na alma das donzelas
O amor aos trapos e a paixão pelas mazelas,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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Pai adotivo dos que, em cólera sombria,
O Deus Padre baniu do Éden terrestre um dia,
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Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!
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ORAÇÃO
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Glória e louvor a ti, Satã, lá nas alturas,
Do Céu, onde reinaste, e nas furnas escuras
Do Inferno, onde, vencido, sonhas silencioso!
Sob a Árvore da Ciência, um dia, que o repouso
Minha alma encontre em ti, quando na tua testa
Seus ramos expandir qual novo Templo em festa!
*
Charles Baudelaire

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